Missionários cruzam rios, desertos, lutos e milagres, tudo para viver o maior festival de moto e rock da América Latina. No CMW, a estrada é missão, recomeço e reencontro

(Foto:Divulgação CMW)
Israel Ribeiro (59) embarcou sua moto num barco por quatro dias, cruzou rios, enfrentou uma pane mecânica no caminho e chegou de ônibus a Brasília — tudo para viver o Capital Moto Week, maior festival de moto e rock da América Latina. Sua história se soma às de milhares de motociclistas que transformam a estrada em missão e reencontro. Como ponto de chegada, a Cidade da Moto é um palco de histórias que começam bem longe. Do coração da Amazônia ao cerrado, motociclistas enfrentam desafios, despedidas e travessias improváveis movidos por algo que vai além da paixão pelas duas rodas: a fé e a irmandade.
Foi essa motivação que levou Israel Ribeiro, militar da reserva e presidente dos Águias de Cristo em Manaus (AM), a embarcar sua moto em um barco que desceu os rios Amazonas e Madeira por quatro dias, até Porto Velho. De lá, seguiria por terra até Brasília. Mas o trajeto não saiu como o planejado: a moto quebrou em Aragarças (GO), e ele precisou terminar o percurso de ônibus. “Não cheguei com a moto, mas cheguei com a missão no coração. A estrada sempre tem surpresas. Às vezes ela quebra a moto, mas fortalece a gente”, conta Israel.
Mesmo sem sua companheira de viagem, ele foi recebido com festa pelos membros do moto clube Águias de Cristo e passou a circular pelo festival montado no “Motoboi”, uma Twister 2005 customizada com couro e chifres, mascote do grupo. “A gente chama atenção com a moto customizada. E toda atenção pode virar uma conversa, um sorriso, uma oração. A evangelização acontece nos encontros mais improváveis”, afirma o amazonense.
Com 25 anos de estrada, o Águias de Cristo MC reúne integrantes em praticamente todos os estados brasileiros e em países como Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia e Estados Unidos. Só nesta edição, 800 motociclistas devem passar pelo acampamento Águias de Cristo no Capital Moto Week — cada um com uma história que reafirma que a estrada pode ser sagrada. De Cabo Frio (RJ), o casal Flávio Beltrão (59) e a esposa rodaram 1.319 km em 17 horas sem parar para dormir.
“A missão começa antes da chegada. Tem gente com tudo em casa, mas sem vontade de viver. Queremos mostrar que recomeçar é um ato de fé”, diz Flávio. Para aguentar o ritmo, os dois fizeram caminhada, mudaram a alimentação e usaram o comunicador de capacete para conversar e rir. Já João Gonçalves (68) rodou pela primeira vez sem a esposa, que faleceu há pouco mais de um ano. Foram 48 anos de parceria e mais de 45 viagens de moto. “Ela amava a estrada. É por ela que sigo. Quase desisti, mas vim”, afirmou João, saudoso.
Onde a fé encontra a estrada
O acolhimento é parte essencial da experiência do Águias de Cristo MC no festival. Kennedy Dornelas (50), presidente do MC em Brasília, comanda o acampamento que recebe mais de 800 pessoas durante o festival. A estrutura oferece alimentação, oração, cultos e apoio emocional. “Tem gente que não teria onde ficar. A gente abre as portas. A fé é prática”, resume. Todos os dias, às 9h e às 19h30, no espaço deles há cultos com música, louvor e mensagens inspiradoras. “É onde a estrada vira altar e cada abraço é uma chance de espalhar esperança”, completa Kennedy.